Por Leonardo Dutra:
Maio
de 2010, 20:04. Estou sentado à mesa de um luxuoso shopping center em Belo
Horizonte em meio a pessoas bonitas, bem vestidas e aparentemente bem sucedidas
na vida. O clima é de tranqüilidade apesar do burburinho do ir e vir das
pessoas distraídas. Estou tomando um café expresso, como de costume. Eu gosto
de estar aqui, gosto desse ambiente, gosto dos rostos bonitos, da sensação de
segurança, das famílias reunidas, das crianças comendo seus sanduíches, dos
goles sem pressa nas taças de chopp, gosto de tudo que faz bater o coração da
cidade. Mas, nessa noite, estou diferente, estou visivelmente abatido e, por
que não dizer, profundamente entristecido e melancólico. Tenho os olhos rasos d
água e o coração apertado no peito. Nessa noite, fui tomado por um sentimento
poucas vezes experimentado em minha vida, sentimento de impotência, de vergonha
de sei lá o que. Tudo começou quando parei meu carro em uma rua do centro da
cidade, uma dessas ruas quaisquer, iguais a todas as outras. Encontrei uma
vaga, coisa difícil de encontrar às 19:00 nos dias de hoje, mas, consegui.
Saindo de sei lá onde, prontamente um rapaz logo se ofereceu solícito para “dar
uma olhadinha” no meu carro. Tudo bem,
claro que sim, aceitei passivamente e meio que sem escolha, mas por que eu
disse que sim? se eu estaria na lanchonete do outro lado da rua? Mas, como de
costume, concedi ao rapaz, a “árdua” tarefa da vigília. Entrei em uma
lanchonete simples, daquelas que se come “bem” com cinco reais. Eu estava
tranqüilo, e distraidamente comendo meu pastel de sempre, acompanhado do
tradicional caldo de cana. Até então, nada demais, não é mesmo? Nada de
excepcional na vida de um brasileiro de 35 anos, trabalhador, pagador de
impostos, feliz e sem pressa depois de mais um dia de labuta. Caminhei de volta
para o carro, deixei a recompensa de um real para o colega tomador de conta por
ter cuidado tão “abnegadamente” do meu carro. Quando ia me ajeitando no banco
para sair, percebi, ao olhar para o lado, uma cena singular, mas ao mesmo tempo
muito comum: Um homem, de aproximadamente uns vinte poucos anos, magro, pele
morena, morena não sei se pelo sol que certamente o abrasava diariamente ou se
pela sujeira que se acumulava naquele corpo esguio, de movimentos rápidos e
objetivos ao revirar com “maestria” os sacos de lixo depositados aos pés de uma
árvore carcomida e feia, daquelas que a gente nunca repara, nem mesmo vê um
mísero passarinho descansando em seus galhos nus e poluídos. Ali estava uma
caricatura de ser humano, maltrapilho, assustado, cabelo grande e sujo, olhar distante
e indiferente. O foco se concentrava nas latas de alumínio que pareciam ser
pepitas de ouro sendo garimpadas a golpes certeiros dentro dos sacos fétidos.
Eu fiquei parado, olhando, pelo vidro fumê do meu carro, que camuflava meu
olhar atônito e fixo. O rapaz continuava sua busca, Ignorando o mundo à sua
volta, quase em transe. Então, veio o segundo ato, ele retira do meio daqueles
restos um quarto de sanduíche barato e, com os olhos brilhando e um sorriso que
mais parecia demência, se atira ávido àquele
manjar imundo como quem saboreia uma iguaria. O mundo parou para mim,
lembrei-me do farto almoço há horas atrás, do bendito pastel que comi sem fome,
do pão que deixei de comer pela manhã, por estar “dormido” e de tantas outras
coisas que a fartura me proporciona. Meu sangue gelou, pois ele acompanhava a
mastigação com o resto de refrigerante ou cerveja que restava nas latas, sorria
e falava palavras meio vazias, que mais soavam como: “nossa, que sorte a
minha!” aí foi demais, olhei para o console do meu carro e vi um punhado de
moedas, de todos os valores, que se acumulavam há dias ali e, pelas minhas
contas chagariam a uns dez reais. Juntei todas na mão, abri o vidro e, meio que
sem graça e querendo ser o mais natural possível, perguntei: “irmão, quer uma
moedinha pra ajudar no café?” ele, surpreso e sem reação, estendeu as mãos até
mim, sujas de gordura e pó das ruas, e com um olhar de extrema passividade me
diz: “ô patrão, que benção!” eu disse a ele: “me dá a outra mão também, pois
tem muita moeda aqui.” Ele, meio sem acreditar, pega as moedas, coloca
rapidamente no bolso de trás da bermuda imunda, como quem esconde uma pepita de
ouro no garimpo e diz: “nossa, vou jogar fora esse sanduíche aqui, patrão, tá
azedo, vou comprar um novinho.” Aí, meu caro leitor, foi demais, não dá para
reagir serenamente e como se fosse natural demais, peguei no bolso da camisa
uma nota de cinco, que sobrou do troco do pastel e dei para ele. Quando o rapaz
viu a nota, não acreditou, quis me cumprimentar, apertar minha mão, talvez,
oferecer a única coisa que ele tinha pra me dar, não sabia se sorria, guardava
o dinheiro ou me agradecia. Não pegou minha mão, talvez por vergonha ou receio
de me sujar com a gordura da comida, ou por reconhecer a distância que nos
separava naquele momento, mas, que ao mesmo tempo, nos aproximava e nos fazia
tão humanos, tão iguais. Antes ele tivesse me cumprimentado, antes ele tivesse
me abraçado, pois me senti imundo na alma naquela hora, naqueles breves minutos
que pareciam uma vida inteira. Não vejo o menor mérito no que fiz, pois, estava
ali um humano, um igual, um homem. De meu mesmo, só dei a ele um “fica com Deus
meu amigo”. Ele, por sua vez, me sorriu e disse: “Obrigado patrão, muita sorte
para o senhor, vai na fé”. Pois é, o que dizer? E o que fazer? Realmente fui
embora, na fé de que um dia isso mudaria, mas, poxa vida, fui embora sem
perguntar o nome dele, isso me doeu mais que tudo. Quantas pessoas perguntam o
nome dele diariamente? Eu tenho cartão de visita, telefone, CPF e CNPJ da minha
empresa, Email, twitter, Facebook e etc mas ele só tem um nome, e eu não
perguntei. Meu Deus, como eu queria saber o nome dele.
Muito lindo teacher. Morro com umas coisas dessas! É muita desigualdade e ninguém ta nem aí...
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