sexta-feira, 2 de agosto de 2013



Por Leonardo Dutra:
 
Maio de 2010, 20:04. Estou sentado à mesa de um luxuoso shopping center em Belo Horizonte em meio a pessoas bonitas, bem vestidas e aparentemente bem sucedidas na vida. O clima é de tranqüilidade apesar do burburinho do ir e vir das pessoas distraídas. Estou tomando um café expresso, como de costume. Eu gosto de estar aqui, gosto desse ambiente, gosto dos rostos bonitos, da sensação de segurança, das famílias reunidas, das crianças comendo seus sanduíches, dos goles sem pressa nas taças de chopp, gosto de tudo que faz bater o coração da cidade. Mas, nessa noite, estou diferente, estou visivelmente abatido e, por que não dizer, profundamente entristecido e melancólico. Tenho os olhos rasos d água e o coração apertado no peito. Nessa noite, fui tomado por um sentimento poucas vezes experimentado em minha vida, sentimento de impotência, de vergonha de sei lá o que. Tudo começou quando parei meu carro em uma rua do centro da cidade, uma dessas ruas quaisquer, iguais a todas as outras. Encontrei uma vaga, coisa difícil de encontrar às 19:00 nos dias de hoje, mas, consegui. Saindo de sei lá onde, prontamente um rapaz logo se ofereceu solícito para “dar uma olhadinha” no  meu carro. Tudo bem, claro que sim, aceitei passivamente e meio que sem escolha, mas por que eu disse que sim? se eu estaria na lanchonete do outro lado da rua? Mas, como de costume, concedi ao rapaz, a “árdua” tarefa da vigília. Entrei em uma lanchonete simples, daquelas que se come “bem” com cinco reais. Eu estava tranqüilo, e distraidamente comendo meu pastel de sempre, acompanhado do tradicional caldo de cana. Até então, nada demais, não é mesmo? Nada de excepcional na vida de um brasileiro de 35 anos, trabalhador, pagador de impostos, feliz e sem pressa depois de mais um dia de labuta. Caminhei de volta para o carro, deixei a recompensa de um real para o colega tomador de conta por ter cuidado tão “abnegadamente” do meu carro. Quando ia me ajeitando no banco para sair, percebi, ao olhar para o lado, uma cena singular, mas ao mesmo tempo muito comum: Um homem, de aproximadamente uns vinte poucos anos, magro, pele morena, morena não sei se pelo sol que certamente o abrasava diariamente ou se pela sujeira que se acumulava naquele corpo esguio, de movimentos rápidos e objetivos ao revirar com “maestria” os sacos de lixo depositados aos pés de uma árvore carcomida e feia, daquelas que a gente nunca repara, nem mesmo vê um mísero passarinho descansando em seus galhos nus e poluídos. Ali estava uma caricatura de ser humano, maltrapilho, assustado, cabelo grande e sujo, olhar distante e indiferente. O foco se concentrava nas latas de alumínio que pareciam ser pepitas de ouro sendo garimpadas a golpes certeiros dentro dos sacos fétidos. Eu fiquei parado, olhando, pelo vidro fumê do meu carro, que camuflava meu olhar atônito e fixo. O rapaz continuava sua busca, Ignorando o mundo à sua volta, quase em transe. Então, veio o segundo ato, ele retira do meio daqueles restos um quarto de sanduíche barato e, com os olhos brilhando e um sorriso que mais  parecia demência, se atira ávido àquele manjar imundo como quem saboreia uma iguaria. O mundo parou para mim, lembrei-me do farto almoço há horas atrás, do bendito pastel que comi sem fome, do pão que deixei de comer pela manhã, por estar “dormido” e de tantas outras coisas que a fartura me proporciona. Meu sangue gelou, pois ele acompanhava a mastigação com o resto de refrigerante ou cerveja que restava nas latas, sorria e falava palavras meio vazias, que mais soavam como: “nossa, que sorte a minha!” aí foi demais, olhei para o console do meu carro e vi um punhado de moedas, de todos os valores, que se acumulavam há dias ali e, pelas minhas contas chagariam a uns dez reais. Juntei todas na mão, abri o vidro e, meio que sem graça e querendo ser o mais natural possível, perguntei: “irmão, quer uma moedinha pra ajudar no café?” ele, surpreso e sem reação, estendeu as mãos até mim, sujas de gordura e pó das ruas, e com um olhar de extrema passividade me diz: “ô patrão, que benção!” eu disse a ele: “me dá a outra mão também, pois tem muita moeda aqui.” Ele, meio sem acreditar, pega as moedas, coloca rapidamente no bolso de trás da bermuda imunda, como quem esconde uma pepita de ouro no garimpo e diz: “nossa, vou jogar fora esse sanduíche aqui, patrão, tá azedo, vou comprar um novinho.” Aí, meu caro leitor, foi demais, não dá para reagir serenamente e como se fosse natural demais, peguei no bolso da camisa uma nota de cinco, que sobrou do troco do pastel e dei para ele. Quando o rapaz viu a nota, não acreditou, quis me cumprimentar, apertar minha mão, talvez, oferecer a única coisa que ele tinha pra me dar, não sabia se sorria, guardava o dinheiro ou me agradecia. Não pegou minha mão, talvez por vergonha ou receio de me sujar com a gordura da comida, ou por reconhecer a distância que nos separava naquele momento, mas, que ao mesmo tempo, nos aproximava e nos fazia tão humanos, tão iguais. Antes ele tivesse me cumprimentado, antes ele tivesse me abraçado, pois me senti imundo na alma naquela hora, naqueles breves minutos que pareciam uma vida inteira. Não vejo o menor mérito no que fiz, pois, estava ali um humano, um igual, um homem. De meu mesmo, só dei a ele um “fica com Deus meu amigo”. Ele, por sua vez, me sorriu e disse: “Obrigado patrão, muita sorte para o senhor, vai na fé”. Pois é, o que dizer? E o que fazer? Realmente fui embora, na fé de que um dia isso mudaria, mas, poxa vida, fui embora sem perguntar o nome dele, isso me doeu mais que tudo. Quantas pessoas perguntam o nome dele diariamente? Eu tenho cartão de visita, telefone, CPF e CNPJ da minha empresa, Email, twitter, Facebook e etc mas ele só tem um nome, e eu não perguntei. Meu Deus, como eu queria saber o nome dele.

Um comentário:

  1. Muito lindo teacher. Morro com umas coisas dessas! É muita desigualdade e ninguém ta nem aí...

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